sábado, 5 de setembro de 2009

Quatro meses num navio chamado Copacabana

Entre o leme e o arpoador situa-se este navio. Ele nunca dorme. Pela janela do meu quarto não posso dizer, olhando o movimento dos passantes, se é tarde da noite, ou cedo da manhã. Estou situado mais pros lados do arpoador, como convém aos tripulantes da guarnição do convés. Mas na senda sempre encontro o senhor Carlos, grande poeta, que me diz que devo persistir nesse caminho até chegar ao leme. Este senhor, sempre poético, sabe o que diz.
E até o momento estive embarcado aqui. Na companhia de ilustres poetas, bêbados filosóficos, las muchachas de Copacabana, traficantes e contrabandistas. Parece mesmo um navio corsário. Parece mesmo um lugar sem tempo. Onde os séculos convivem e o romantismo resiste à modernidade co-existindo. Foram quatro meses aqui. Quatro meses observando as contradições e anacronismos que constituem e exemplificam a nossa cultura e a nossa ordem social.
Há poucas semanas, recebemos a ilustre visita do Presidente da República. O convés foi varrido, os marginais foram trancados no porão, a passagem do Presidente foi lavada quase a moda da escadaria da Igreja do Senhor do Bonfim. Foi um belo “choquinho” de ordem, como se diria pelas costas do Comandante. Dizem que lá pelos lados do leme, esse tal choque de ordem conteve os amotinados e insurgentes, mas também dizem que eles continuam agindo, só que de forma mais discreta. De qualquer forma, a ordem não se estende por todo o navio, e estou aqui, na proa, onde batem as ondas com mais força e onde fervilha o motim.
No mais, o navio segue seu curso. Essa desordem, essa incoerência sempre fizeram parte do funcionamento desse navio, por isso parece que ele consegue seguir seu curso e navegar mesmo fazendo água.
Eu aproveitei essa estada a bordo, que por enquanto não parece estar ainda perto de seu fim, para receber os treinamentos necessários para embarcar em outros navios. E por isso foram também quatro meses muito intensos. Foi o tempo de fazer grandes amigos e de conhecer um pouco do tanto que se precisa aprender sobre o mar, os navios e sobre si mesmo. Acho que essa é a primeira descoberta importante para um marinheiro: que é preciso aprender sobre o mar, o navio e si mesmo. Todo dia, a cada momento, é preciso conhecer profundamente esses três componentes da navegação. E, sobretudo, ter em mente que todo o conhecimento a respeito dessas três partes da navegação não vão garantir o controle da situação. Porque tanto o mar, quanto o navio, como nós mesmos mudamos constantemente porque estamos vivos. Quanto mais conhecemos essas três coisas, mais nos acostumamos às suas mudanças e nos adaptamos melhor as mesmas.
Aprendi que é preciso respeitar o mar e saber que estamos submetidos à sua força. Humildemente, temos que aceitar a soberania do mar e nossa ignorância sobre ele. Pra sobreviver à sua força, o marinheiro precisa conhecer a si mesmo e à sua embarcação. Devo confessar que até o momento me sinto muito pouco conhecedor de mim mesmo, mas o pouco que sei tem servido pra me safar da onça na maior parte das vezes. Quanto a esse navio chamado Copacabana, quem poderia conhecê-lo profundamente em quatro meses? Confesso que falhei também, e dessa vez fragorosamente.
Se sobrevivi a esse embarque, devo isso à gentileza do mar durante esse período, à ajuda de alguns bons amigos que encontrei pelo caminho e ao fato de que deve haver alguma força superior que olha por nós. Agora é momento de grande espera e de grandes expectativas. Meu pequeno barco deve seguir seu curso, em busca de grandes embarques mundo afora. Ou mesmo um embarque na Praça XV, entre o Rio e Niterói. Na minha opinião, teria o mesmo valor. O que importa a um trabalhador que estudou pra executar um ofício é poder fazê-lo, não importa onde. O que vale é aprender mais, e um marinheiro embarcado, seja em um cargueiro transatlântico, seja na barca Rio-Niterói, estará sempre aprendendo.
Por isso é preciso lançar-se ao mar. E daqui do meu camarote nesse navio chamado Copacabana eu planejo a derrota pra melhor navegar em busca de um embarque. Sinto o cheiro da maresia (hoje não veio o caminhão do lixo), mas o dia começou com chuva e terminou com vento quente e lua cheia. E eu sinto a ansiedade da expectativa enquanto traço esses planos, listo endereços de empresas e envio alguns e-mails. Mas, assim como todo barco depois de pronto precisa fazer-se ao mar, o marinheiro precisa navegar, e para isso é preciso lançar-se na busca por emprego. Enquanto devaneio sobre essa ansiedade e consumo as unhas, as horas e alguns litros de café encontro essa frase, atribuída a Bob Marley:
“A vida é pra quem topa qualquer parada, e não pra quem para em qualquer topada.”
Isto posto, me calo e vou à luta!

4 comentários:

Unknown disse...

Extremamente Cássio!
Parabéns, cara. E sucesso!

abração

Unknown disse...

Extrema Mente, Cássio!

Unknown disse...

parabéns brother!! vc foi muito feliz, primeiro na escolha do tema , e esse testo cara s\ comentários!! O que posso dizer é q de certa forma me sinto orgulhoso de fazer parte dessa história, não sei de forma boa ou ruim, talvez tenha faltado dizer algo ou derrepente algo não precisasse ser dito, bem o q quero dizer é que admiro o orgulho que sente de estar ingressando nessa carreira por vezes tão desprestigiada! Mas não na mente de pessoas q sabem o q quer, continue assim e + uma vez parabéns !!!
Um abraço Fellype Ponte

Danna Lua disse...

acho que deviamos seguir o exemplo da somalia, adotar um regime anarquista e estimular a pirataria!