quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Quanto custa realizar um sonho?



A pergunta pode parecer absurda, já que seria praticamente impossível calcular o custo de um sonho. Qualquer economista ficaria louco com essa tarefa. Já os poetas e filósofos adorariam a questão, desenvolveriam laudas e laudas sobre o tema. Para o cálculo científico do problema, precisaríamos estabelecer claramente o que é um sonho. Questão preliminar que soaria como uma piada.

Obviamente, o custo de um sonho varia de acordo com o sonho de cada um. Por isso não é fácil chegarmos a um calculo genérico. Mas ainda, a realização de um sonho exige muitas etapas da sua vida, períodos durantes os quais consumimos muitos recursos, seja para realizar o sonho, seja para permanecermos vivos. Tal fato torna ainda mais difícil a tarefa de contabilizar o custo do sonho, mesmo que seja o nosso próprio sonho.

Quem lê o blog sabe que o sonho deste humilde marinheiro sonhador é trabalhar num navio-escola, armado para realizar pesquisas marinhas e ensinar a adolescentes e jovens a conhecer, amar e respeitar o mar. Diz o dito popular que sonhar não custa nada. “E o meu sonho é tão real...” como completaria o samba. Verdade ou não, o ócio criativo e a facilidade de pesquisar o preço de alguns itens desse sonho pela internet me levaram a devanear um pouco e eu resolvi buscar algum navio que se prestasse a esse fim. Acho que encontrei o que procurava, mas descobri que ainda que não custe nada sonhar, realizar o sonho é diferente. Vejam bem as maravilhas de navios que encontrei:

Mary Anne – 216’ Gdansk Poland Barquentine





Equipado atualmente para embarcar pelo menos 50 pessoas, ecologicamente construído para cruzeiros de pesquisa, educação, turismo e lazer. O link para as especificações completas é:


Detalhe para o “precinho”: US$ 4.250.000.


Bom, já que chegamos a esse montante, resolvi continuar procurando, só pra comparar os similares, e encontrei este navio que é literalmente um sonho:

Caledônia – 245’ Cooks & Welton 75 Passender Barquentine





Equipado atualmente para embarcar pelo menos 100 pessoas, construído para cruzeiros de pesquisa, educação, turismo e lazer e pronto pra navegar. O link para as especificações completas é:


Confere lá o “precinho”: US$ 12.474.600. Apenas!


Bem, diante desses preços, sou forçado a começar a acreditar que não poderia arcar com o preço desse sonho, a menos que recorra aos ensinamentos de Raulzito: “Sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto é realidade”. Recentemente, lancei uma campanha no meu orkut. Nunca se sabe né?! O slogan era: Me empresta 250 mil, pago em abril. Até agora, infelizmente, não obtive retorno, mas quem sabe?! Acho mesmo que entre meus amigos de orkut vai ser difícil, mas vai que alguém conhece alguém que conhece alguém que não tem nada pra fazer com esse dinheiro e também acha legal sonhar e navegar e ensinar crianças e adolescentes a amar o mar. Só queria fazer uma pequena retificação.

Agora é: Me empresta US$ 15 milhões, pago nas próximas encarnações!

Ironias à parte, recuperado do susto, concluo que realizar um sonho custa muito aprendizado, muita parceria, muita preparação. Os valores financeiros envolvidos nessa tarefa podem assustar, mas são tangíveis se forem divididos: em etapas, entre pessoas. Não sei quanto custou até agora realizar o meu sonho, mas sei que não teria condições de arcar com esse custo sem a ajuda de todos que me cercam. Talvez o valor do navio esteja fora de alcance atualmente, mas as diversas etapas do sonho continuam aí para serem cumpridas, e é imperativo que se faça sempre aquilo que se pode fazer no momento, até que possamos fazer tudo o que resta de maneira mais simples.

Apesar dos obstáculos, continuo acreditando, e cada vez mais, que este sonho irá se concretizar. Creio ainda que não precisarei comprometer minhas próximas encarnações para consegui-lo, mas descobri finalmente que o custo de um sonho, pra quem quer que seja e pra todos os outros que acreditam, é exatamente igual a todos os recursos disponíveis por todos. Pra quem vive e busca seus sonhos, eles valem exatamente tudo o que se tem, somado a tudo que nossos parceiros podem nos ajudar a conseguir.


Isto posto, meus amigos, este humilde sonhador marinheiro acredita que pode dizer algo de útil sobre essa questão. Quanto custa realizar um sonho? Tudo o que você tem pra oferecer! Poderia custar menos?

sábado, 5 de setembro de 2009

Quatro meses num navio chamado Copacabana

Entre o leme e o arpoador situa-se este navio. Ele nunca dorme. Pela janela do meu quarto não posso dizer, olhando o movimento dos passantes, se é tarde da noite, ou cedo da manhã. Estou situado mais pros lados do arpoador, como convém aos tripulantes da guarnição do convés. Mas na senda sempre encontro o senhor Carlos, grande poeta, que me diz que devo persistir nesse caminho até chegar ao leme. Este senhor, sempre poético, sabe o que diz.
E até o momento estive embarcado aqui. Na companhia de ilustres poetas, bêbados filosóficos, las muchachas de Copacabana, traficantes e contrabandistas. Parece mesmo um navio corsário. Parece mesmo um lugar sem tempo. Onde os séculos convivem e o romantismo resiste à modernidade co-existindo. Foram quatro meses aqui. Quatro meses observando as contradições e anacronismos que constituem e exemplificam a nossa cultura e a nossa ordem social.
Há poucas semanas, recebemos a ilustre visita do Presidente da República. O convés foi varrido, os marginais foram trancados no porão, a passagem do Presidente foi lavada quase a moda da escadaria da Igreja do Senhor do Bonfim. Foi um belo “choquinho” de ordem, como se diria pelas costas do Comandante. Dizem que lá pelos lados do leme, esse tal choque de ordem conteve os amotinados e insurgentes, mas também dizem que eles continuam agindo, só que de forma mais discreta. De qualquer forma, a ordem não se estende por todo o navio, e estou aqui, na proa, onde batem as ondas com mais força e onde fervilha o motim.
No mais, o navio segue seu curso. Essa desordem, essa incoerência sempre fizeram parte do funcionamento desse navio, por isso parece que ele consegue seguir seu curso e navegar mesmo fazendo água.
Eu aproveitei essa estada a bordo, que por enquanto não parece estar ainda perto de seu fim, para receber os treinamentos necessários para embarcar em outros navios. E por isso foram também quatro meses muito intensos. Foi o tempo de fazer grandes amigos e de conhecer um pouco do tanto que se precisa aprender sobre o mar, os navios e sobre si mesmo. Acho que essa é a primeira descoberta importante para um marinheiro: que é preciso aprender sobre o mar, o navio e si mesmo. Todo dia, a cada momento, é preciso conhecer profundamente esses três componentes da navegação. E, sobretudo, ter em mente que todo o conhecimento a respeito dessas três partes da navegação não vão garantir o controle da situação. Porque tanto o mar, quanto o navio, como nós mesmos mudamos constantemente porque estamos vivos. Quanto mais conhecemos essas três coisas, mais nos acostumamos às suas mudanças e nos adaptamos melhor as mesmas.
Aprendi que é preciso respeitar o mar e saber que estamos submetidos à sua força. Humildemente, temos que aceitar a soberania do mar e nossa ignorância sobre ele. Pra sobreviver à sua força, o marinheiro precisa conhecer a si mesmo e à sua embarcação. Devo confessar que até o momento me sinto muito pouco conhecedor de mim mesmo, mas o pouco que sei tem servido pra me safar da onça na maior parte das vezes. Quanto a esse navio chamado Copacabana, quem poderia conhecê-lo profundamente em quatro meses? Confesso que falhei também, e dessa vez fragorosamente.
Se sobrevivi a esse embarque, devo isso à gentileza do mar durante esse período, à ajuda de alguns bons amigos que encontrei pelo caminho e ao fato de que deve haver alguma força superior que olha por nós. Agora é momento de grande espera e de grandes expectativas. Meu pequeno barco deve seguir seu curso, em busca de grandes embarques mundo afora. Ou mesmo um embarque na Praça XV, entre o Rio e Niterói. Na minha opinião, teria o mesmo valor. O que importa a um trabalhador que estudou pra executar um ofício é poder fazê-lo, não importa onde. O que vale é aprender mais, e um marinheiro embarcado, seja em um cargueiro transatlântico, seja na barca Rio-Niterói, estará sempre aprendendo.
Por isso é preciso lançar-se ao mar. E daqui do meu camarote nesse navio chamado Copacabana eu planejo a derrota pra melhor navegar em busca de um embarque. Sinto o cheiro da maresia (hoje não veio o caminhão do lixo), mas o dia começou com chuva e terminou com vento quente e lua cheia. E eu sinto a ansiedade da expectativa enquanto traço esses planos, listo endereços de empresas e envio alguns e-mails. Mas, assim como todo barco depois de pronto precisa fazer-se ao mar, o marinheiro precisa navegar, e para isso é preciso lançar-se na busca por emprego. Enquanto devaneio sobre essa ansiedade e consumo as unhas, as horas e alguns litros de café encontro essa frase, atribuída a Bob Marley:
“A vida é pra quem topa qualquer parada, e não pra quem para em qualquer topada.”
Isto posto, me calo e vou à luta!