quarta-feira, 13 de maio de 2009

O sonho e os percalços... um caminho de descobertas

Para Dona Mara, Seu Conca, meus amigos do CFAQ da CPRJ e todos aqueles que tem contribuído com o que podem, acreditando ou não.

É muito difícil realizar um sonho. Mais difícil ainda é viver sem ter sonhos. Quero contar aqui sobre os caminhos que me levam a realização do meu sonho, porque me sinto obrigado a impulsionar outros a buscarem seus sonhos dentro de si, e a dividirem com o mundo a alegria da realização.

Um dia, quando menino, sonhava com o mar. Via revistas de lanchas e veleiros e desejava pilotar todos aqueles barcos lindos, conhecer aquelas paisagens, levar aquelas belas moças para grandes passeios. Sonhos de menino que se perderam com o tempo.

A vida me levou para o Planalto Central, e as escolhas profissionais que fiz me levaram para a sala de aula. O ofício nobre de professor me encantou, sobretudo o status que se conquista quando se tem tamanha responsabilidade e importância na vida das pessoas. E assim, segui sonhando que, um dia, quando pudesse juntar dinheiro suficiente, poderia ter um daqueles lindos barcos do meu sonho de menino.

Não conhecia, ainda, a profissão de marinheiro. Confesso que durante a época do vestibular, encruzilhada de escolhas na cabeça de crianças que, cruelmente, são forçadas a escolher tão cedo o que serão por toda a vida, nem considerei a possibilidade, pouco conhecida de participar da Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante.

Direcionei-me para os estudos de Sociologia e Antropologia, campo bem em evidência, numa época em que o presidente era sociólogo. Estudos muito interessantes, trabalhos garantidos como assistente de pesquisa e trabalhos acadêmicos. Assim, mantive ao largo aqueles velhos sonhos náuticos, sempre imaginados como um hobbie, algo para me ocupar na remota (cada vez mais) aposentadoria.

Mas meus alunos me levaram ao mar novamente. Em 2006 fui convidado por uma professora para conversar com os seus alunos sobre respeito em sala de aula. Alunos que só seriam meus dois anos depois desse dia. Conversando com essa turma, um dos alunos que mais “dava trabalho” à professora estabeleceu uma relação entre o que eu explicava e a vida a bordo de um navio. Sempre gostei de utilizar a fala de meus alunos para explicar o conteúdo, de modo que embarquei na fala deste.

Dois anos depois, eles não haviam esquecido daquela aula e no primeiro dia em que estivemos juntos veio o assunto de novo à tona. Junto com o assunto daquela aula, veio o pedido dos alunos para que construíssemos um barco. Professor de história que era pensei: se os Fenícios fizeram, porque nós não faríamos. Pode o leitor achar que o raciocínio é simplório, mas a história serve, também, para nos mostrar os feitos do passado e impulsionar-nos a nossas realizações. Desta forma, abracei a causa e começamos o projeto.

A idéia era ensinar aos alunos um pouco do que conheço sobre a arte da navegação e da navegação à vela. O objetivo do projeto era fazê-los compreender, de forma prática, as características das grandes navegações que foram responsáveis pelo descobrimento da América pelos Europeus.

Fui à Capitania dos Portos de Brasília para tirar uma carteira de Arrais amador, pois sabia que essa era a exigência mínima para conduzir um barco no lago Paranoá. Tirei a carteira, mas ao explicar ao Sargento da Capitania do meu projeto, ele esclareceu que seria necessário obter uma outra habilitação, a Carteira de Aquaviário, também conhecida como CIR. Imaginei que não poderia mais seguir com o projeto, pois não sabia como obter essa carteira. Mas, para minha alegria, a própria Capitania realizava o curso e a próxima turma estava começando no semestre seguinte. Inscrevi-me no curso e comecei no segundo semestre de 2008 a estudar no Curso de Formação de Aquaviários – CFAQ II/III. Formei-me no final deste mesmo ano e durante este curso minha vida pessoal e profissional sofreu uma grande reviravolta.

Ao longo do curso vi todos os velhos sonhos de infância retornarem sob uma nova forma, mais concreta, real, tangível. Descobri que a profissão de marinheiro depende de muito esforço, muito estudo e muita disposição para fazer-se ao mar. Características que descobri em mim ao longo de todos os meus anos de vida profissional. Hoje compreendo que não seria possível seguir esse caminho aos 17, 18 anos. E também compreendi que aos 17, 18 anos não é possível ainda, para muitos, compreender qual seu caminho na vida, qual é o seu sonho, qual trabalho realmente motiva e nos faz confirmar os laços de vocação com a profissão. Ainda me sinto professor, ainda sinto essa vocação dentro de mim. Embora não tenha completado nem a faculdade de Sociologia, nem a faculdade de História. Sinto-me professor por todos os alunos que passaram por mim e que confirmaram a minha vocação e meu sucesso em sala de aula.

Mas, infelizmente, descobri que ganhava muito menos como professor do que poderia ganhar na profissão de marinheiro. E que para realizar um bom projeto educacional náutico teria que singrar alguns mares para adquirir a experiência necessária para ensinar aos meus alunos. Assim, pedi as contas da escola e me lancei de cabeça nesse sonho.

Tentei negociar com a escola uma rescisão de contrato mas não houve acordo, por isso pedi as contas e segui meu rumo. Ouvi que não seria possível um acordo pois não era certo “mexer” com os direitos do trabalhador. Direito do outro de afirmar o que quiser para não ceder ao meu pedido. Tá legal, eu aceito o argumento, mas não me altere o samba tanto assim. Não recebi os direitos devidos por um certo artigo da CLT, sob outras alegações que, sinceramente, não consigo entender. O vento que venta lá, nem sempre venta cá. Se relato essa situação não é pela intenção de reclamar das condições de trabalho dos professores, mas para dar um panorama ao leitor do que vivi após essa etapa.

Sem muito dinheiro, após a rescisão, segui para o Rio de Janeiro para participar do CFAQ na Capitania dos Portos no Rio de Janeiro. As contas se acumulavam lá em casa e minha esposa se tornou especialista em malabarismos financeiros, todos legais, que fique bem claro. O discreto charme da classe operária: sortear as contas. E, bem, se em casa não ta dando para pagar as contas, eu tenho feito também meus malabarismos para seguir no curso e conseguir cobrir as despesas de passagem e alimentação durante esses meses.

Mas a vida nos reserva surpresas sempre. Algumas vezes levamos com a onda bem no meio do navio, nessas horas é melhor se segurar para não cair do convés. Outras vezes, vemos o céu se abrir no meio da tempestade.

Apesar de todas as adversidades que tenho vivido para concretizar meu sonho, algumas ajudas (do céu, do mar e da terra) renovam diariamente minha esperança no sonho e na humanidade.

Passei no processo seletivo, mas ao começar o curso não tinha a menor idéia de como conseguiria chegar até o fim. Consegui ajuda de tantas pessoas que seria injusto citar algum sob pena de esquecer de citar outros. Mas alguns fatos me causaram tamanha alegria que não poderia deixar de citar.

Ao começar o curso, disse aos colegas que estava procurando trabalho para pagar as despesas durante o curso. Automaticamente, parece que vi um exército em marcha para resolver meus problemas. Hoje posso dizer que tenho mais do que colegas, tenho amigos que quero conservar por toda a vida. E sonho poder embarcar com esses nobres marinheiros. Em pouco tempo, vi meus colegas se mobilizarem para conseguir um trabalho pra mim. Um deles chegou um dia à aula com um papel dizendo: passei em frente a essa loja e eles estão pedindo uma pessoa pra distribuir panfletos, lembrei de você e trouxe o endereço. Quando alguém anda pelas ruas e descobre a solução para um problema que não é dele, isto é solidariedade, um valor que estamos perdendo diariamente, mas é bom saber que ainda existem aqueles dispostos a resgatar esse valor. Não consegui o trabalho, mas surgiu outra opção, um trabalho num restaurante que estamos a ver, eu e outro amigo. Mesmo assim, o exército seguiu em marcha, e na noite de ontem tive a maior surpresa da minha vida. Um amigo me chamou num canto e perguntou como estava a situação financeira. Eu expliquei que estava apertado, que estou morando e comendo com um primo que divide comigo tudo o que tem, mas o dinheiro da passagem ta contado e não é suficiente. Ele se prontificou a ajudar e disse que ia falar com o pessoal. Voltei para a sala de aula e havia um bolo de dinheiro sob a minha apostila. Discretamente, com todo o cuidado para não me causar constrangimento, eles organizaram uma vaquinha para complementar o dinheiro da minha passagem. Como diria Chico Buarque: Tem certos dias em que eu penso em minha gente, e sinto assim todo meu peito se apertar...

Não importa muito o quanto eles arrecadaram, mas a beleza do gesto que realizaram. Posso dizer a esses amigos que a ajuda que me deram me fez ficar tranqüilo quanto às despesas do curso. Mas ganhei muito mais ao perceber que estou ingressando numa classe de pessoas que é capaz de realizar atos tão nobres.

Durante alguns anos, trabalhei em Brasília com pessoas muito instruídas, com bastante dinheiro e poder para mudar algumas coisas nesse país. Essas pessoas raramente se preocuparam em me perguntar como eu estava, se eu estava precisando de algo, ou mesmo se os professores, como classe profissional, estavam precisando de algo. E olha que nossa importância na vida de seus filhos vivia sendo ressaltada. Lembra-me a parábola de Malba Tahan do sábio que vivia oferecendo ao rei soluções para seus problemas. Para cada ensinamento do sábio o rei lhe dava prêmios. Um dia, este sábio foi encontrado morto em sua caverna por não ter o que comer e cercado dos prêmios conferidos pelo rei.

Quanto aos meus amigos marinheiros, serei eternamente grato a eles e sinto que tudo que posso fazer para retribuir o gesto deles, e de todos aqueles que tem me ajudado a concretizar meu sonho, é não esmorecer. Aprendi com uma amiga que: Quando a gente tem um sonho é preciso agir como se não houvesse outra chance para se viver, porque na realidade não há.

A todos estes que tem ajudado tanto, meu muito obrigado, meu compromisso de permanecer buscando o sonho e o desejo de embarcarmos juntos. É o que sinto de devo oferecer.

Cassio Loretti Werneck Pinto

8 comentários:

Flor Falante disse...

Meu amor... Amor de minha vida!

Que surpresa boa essa do blog! Que bom que o fez! Já não era sem tempo!
Que surpresa boa essa das pessoas que se mobilizaram para te ajudar! Num mundo como é o nosso isso me causa um certo espanto, devo dizer! Mas sim, elas existem, e eu também tenho a sorte de ter algumas assim ao meu lado neste momento!
Você e eu sabemos muito bem o tamanho do mar que atravessamos juntos e o tipo de tempestade que tivemos que enfrentar para chegar até aqui. Mas o mar não nos afundou... Ao contrário nos fortaleceu o espírito. Salve Nanã, com todo o meu respeito!
Você é uma pessoa guerreira, que gosta de trabalhar (como um bom capricorniano, ascendente touro que és) e sabe trabalhar. E todos aqueles que algum dia estiveram ao seu lado num ambiente de trabalho podem dar esse testemunho.

Temos mesmo que agarrar as oportunidades, pois elas não ficam caindo do céu! É agora ou é agora! Ou você ‘vai ficar aí sentado, no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia dentes esperando a morte chegar?’ - Ah, meu querido Raulzito - Não mesmo?
E falando em aprender com amigos... Essa nem era propriamente uma pessoa íntima, mas ela me deu uma lição muito amiga, ela disse: “Não leia crises!” Não é uma lição fácil, mas inteligente. Ao se manter no pensamento de que as coisas não são fáceis, não vemos as oportunidades de crescimento e mudanças. Posso dar inúmeros testemunhos de fé, de que ela está certa. E para aqueles que não creem que o segredo das coisas está em enfocar o que queremos, sorte para eles! Para os que creem, a hora boa vai chegar, isso é certo!

Daqui de onde estou faço o que é necessario para o cumprimento de seus sonhos, assim como você daí, porque acredito neles (como boa sagitariana, ascendente em capricórnio que sou), como acredito na vida. Mesmo que algumas pessoas, íntimas e não íntimas, desacreditem ou julguem não ser o momento apropriado para realiza-los. Não podemos ficar esperando o momento certo... O momento certo é aqui e agora! Pois se eu ficar esperando meu salário medíocre melhorar ou que a escola que não te pagou aquilo que era seu por direito te reembolsar, não vamos a lugar algum. Sob essa ótica vamos envelhecer e não cumprir nossos propósitos de vida... E nós, meu anjo, vamos cumprir os nossos, nem que seja na porrada! ;)

Conte comigo ontem, hoje e sempre!
Te amo!
Flávia – Flor do México

M.Muniz disse...

Exelente texto Jon lenon... de um nivel que so poderia ser de sua parte.
Cara temos que acreditar que nossos sonhom podem e devem ser ralizados. estamos juntos no mesmo barco.. um agrande abraço do seu amigo se Cefaq.

David Coutinho disse...

Muito legal John Lennon!!! Gosto muito de você e vou usar este teu comentário pra minha vida, que também está muito difícil... Cara, eu não vou desistir e tenho certeza que você também não... Então estamos juntos... Espero descobrir coisas novas com você neste período de curso e depois também... Pois pelo seu geito de ser tudo indica que seremos muito amigos... Felicidades pra nós e conte comigo... Mesmo!!!

Um abraço!!!

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http://davidacoutinho.blogspot.com

Guilherme disse...

Sempre eloquente e direto. Cara parabens por mais essa vitória, ainda temos um longo caminho pela frente, espero que não tão árduo... Com certeza lutaremos e seguiremos juntos sem deixar qaue o conformismo nos atinja. John TAMO JUNTO CAMPANHA!!!!
Abraço
Guilherme

Penso, logo existo! disse...

ai John Lenon :
por isso q geral pira ctgo,
representou o bonde no estilo digital...

vou te da o papo todos alunos são cú - tú é pica!

Tamojunto ratão!

Cmte. Toledo

roberta disse...

Maninho, estamos aqui morrendo de saudades, mas torcendo para que tudo dê certo. E felizes, porque "é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre..."
Parabéns pela coragem!
Te amamos, e estamos aqui pro que der e vier.
Bjs, saudades
Betinha.Gabi e Bruna

conca disse...

é isso aí, meu caro... a vida nos impõe suas barreiras nos momentos certos, pra que a gente mostre pra ela o que quer, passando por cima de todo e qualquer obstáculo pra atingir um sonho... o problema é que poucos tem a coragem de fazer isso, e a coisa boa é que - olha só! - você tem, e muita!

vc sabe o quanto eu te admiro e com isso tudo não é diferente...
tô aqui pra você, sei que se fosse comigo, vc estaria também...

abração... e desculpa a demora pra vir aqui ;)

Chéri disse...

Très bien mon ami.
Aguardo sua ancoragem aqui no Sena.

Grande abraço! Bons trajetos e boas viagens.